Os civilizados
Olá, prezadx leitorx
Mudando de saco pra mala: esta é minha introdução no mundo da literatura, cuja obra é assinada pelo pseudônimo de Valentina Guadalajara. Muito obrigada pela leitura deste conto que se chama Os civilizados.
Os civilizados
A tribo vivia em frente ao mar. De um lado e de
outro – porque as noções de esquerda e direita são muito imprecisas - e contra
o mar havia morros. Não eram demasiado altos, no entanto estabeleceu-se por
desempirismo que ali era o fim do mundo.
A gente daquele lugar não precisava cruzar
aqueles morros. Como fariam para levar suas cumbucas, jarros e caldeirões? Como
as crianças poderiam subir a parede verde? Como se protegeriam da potente luz
solar que se escondia ali todos os dias? Acaso morreriam queimados? Com que
objetivo?
Eles observavam o fim do mundo todos os dias, e
não o temiam. O fim do mundo está, como está o fim dos homens e de todas as
coisas.
Enquanto eram levadas a cabo tarefas rotineiras
conforme a vontade de cada um, um menino atravessou a aldeia, correndo e gritando
entre as casinhas de palha. Ele bradava algo incompreensível, nomeava algo que
jamais fora visto antes no mundo. O rebuliço causou espanto e todas as mulheres
se mobilizaram para encontrar aquilo que explodia da boca do menino.
Ele avistara, descendo um dos morros, ferido, sujo
e sedento, um bicho estranho. Esse bicho era branco e não tinha pelos, apenas
alguns que saiam de sua cabeça como fogo. O bicho vinha cambaleando, lá de onde
termina tudo.
Uma vez capturado pelas mulheres, o animal
raríssimo desmaiou.
Após dias e dias de chás, poções e cuidados, o
homem abriu os olhos. Enquanto era observado por um grupo de crianças mudas e
curiosas, contara que vinha de longe, que o mundo era muito extenso, que ia
muito além daqueles morros verdes. As crianças correram para chamar os adultos,
afinal alguém mais deveria ser testemunha de tão exótico relato.
Com a chegada das anciãs e anciãos, e recobrando
a consciência completa, perguntara por estranhos trapos que trazia sobre seu
corpo. Quando se formou o burburinho e não houve resposta alguma, apenas olhos
arregalados a observá-lo, ficou um pouco envergonhado e irritado. Defendia-se
de algo, foi a conclusão a que chegaram as sábias.
Com o passar dos dias, animou-se a contar as
novidades do lado de lá. Dissera que do outro lado existia algo chamado
“família”, e que cada mulher, cada homem e seus filhos formavam um pequeno clã.
Também relatava a existência de frutos diferentes, e que o ar também era outro.
A tribo, escutando tudo atentamente, estranhou
muito toda a conversa do bicho branco. Primeiro perguntaram o porquê de ele ter
saído de onde vivia para descobrir algo que não pode usar. Segundo o bicho, o
mundo era vasto e grande. Sendo assim, a tribo não via necessidade de ir a
outro lugar. Se o mundo fosse pequeno demais, se o espaço não fosse suficiente
para morar, plantar, viver ali, nesse caso seria útil e necessário, do
contrário não. Essa lógica lhes pareceu muito estranha e contraditória.
Outro mistério era a preocupação com a tal “roupa”
e a moléstia que o homem sentia de não tê-la consigo. No mundo, nada estava com
ninguém, as coisas iam mudando, dali pra cá, de cá pra lá. Contudo o bicho disse
que as roupas, lá de onde ele vinha, eram necessárias por causa do ar, era
outro, fazia frio.
- O que significa “frio”?
- Um ar que dói quando bate na pele. Dói tanto
que precisamos nos cobrir.
- Mas dói por quê? É como quando há muito vento
e a areia bate na pele?
- É como quando há vento, mas vento mais frio.
- O que significa “frio”?
O bicho explicou o que era e como funcionava uma
“família”.
- Se há apenas um homem e uma mulher e seus
filhos, como saber se os filhos são daquele homem?
- Por que a mulher e o homem apenas têm relações
entre si, é proibido que tenham com outra pessoa. Ter relações com outras
pessoas é uma atitude reprovável e castigada.
- Mas o que são “relações”?
- Quando o homem coloca seu palito dentro da
mulher, dentro daquele buraco, assim embaixo, por onde saem os bebês.
- As mulheres não podem nunca tocar em outros
homens?
- Podem tocar desde que não seja com função de
ter relações, podem abraçar, e podem beijar apenas no rosto. Ela apenas pode
ter relações com seu marido, e os dois podem abraçar e beijar livremente apenas
seus filhos.
- E qual é a diferença entre “ter relações”, “
beijar” e “abraçar”?
O bicho branco tentava explicar todas as nuances
do contato físico e os diferentes tipos de abraços e beijos. A tribo entendeu,
mas achou tão aleatório e complexo, e, sobretudo, tão desnecessário, que
resolveu mudar de assunto.
- E se uma mulher e um homem tiverem muitos
filhos, quem poderá cuidar de tantos filhos sozinhos?
Foi o forasteiro que não entendeu a pergunta.
Ele nunca havia pensado que todos podiam cuidar dos filhos uns dos outros e que
isso aliviaria o trabalho dos adultos, bem como as crianças teriam atenção e
cuidado por mais tempo. Entretanto, o bicho dava valor demais àquilo que ele
pensava novo, não estava interessado em escutar.
Ao fim de uma semana de tanto relato, o bicho
branco resolveu continuar encontrando mais mundo, e como considerava que
naquela tribo havia bons ouvintes, convidou alguns para participarem da sua
aventura.
Seu pedido soava quase tão ridículo quanto tudo
que havia contado sobre o lugar de onde viera. Apesar de todas as diferenças incompreensíveis,
absolutamente todos os bichos brancos se tocavam, tinham relações, se amavam,
caçavam, cozinhavam, tinham bebês. Todos eles trabalhavam e descansavam,
festejavam e lamentavam. Sem exceção compartilhavam ideias à beira do fogo,
contavam histórias e repartiam uma bebida. Apesar do vento e da comida, eram
muito parecidos ali no mundo e no mundo muito maior. Todos bichos, uns marrons,
outros brancos.
A tribo sabia que todas as coisas são
desprovidas de sentido. Qual é a razão do mar? É estar ali, existindo. A razão
de uma árvore era crescer, dar frutos ou não, e talvez um dia morrer ou ser
arrancada pelo vento, que sempre volta e volta. O que faz o mar, a árvore e o
vento bonitos ou feios, bons ou maus, somos nós. Tudo é igual aqui que em outro
lado.
Para o bicho branco não restava outro remédio
que continuar sua viagem sozinho. Na manhã seguinte ele se foi, enrolado em uma
folha de bananeira, sob o olhar compadecido da tribo. Lá vai ele levando sua
chama na cabeça. A chama de buscar mais mundo que não viver.
Valentina Guadalajara
Espelhos
Olá, prezadx leitorx
Mudando de saco pra mala: esta é minha introdução no mundo da literatura, cuja obra é assinada pelo pseudônimo de Valentina Guadalajara. Muito obrigada pela leitura deste conto que se chama Espelhos.
Espelhos
Entro
no quarto, e desde a porta o vejo deitado ali na cama, tão distraído com seus
brinquedos. As bochechas rosadas, a roupa que comprei. Percebe a minha
presença, candidamente ri. Faz-me um gesto, creio que me chama para que me
aproxime. Deito-me ao seu lado. Estende-me os braços e o pego, o protejo, o
cuido. Sinto a felicidade de seu corpo, sua inquietação. Tenho que vestir-me,
abro o armário, ele vem engatinhando atrás de mim. Me segura pelas pernas, me
chama. Vejo que ele precisa de mim.
Sentado
do lado esquerdo da cama, de frente para o guarda-roupa, com ela em meus braços.
Acaricio sua pele delicada. Os olhinhos quase se fechando, de repente um
sorriso. Olho-me no espelho do roupeiro, e a ela também, tão pequenina, tão
indefesa. Levanto-me e caminho pelo quarto. Dou a volta na cama e paro em
frente à janela, bailando com ela. Olhamos os dois este futuro que nos é
desafiador e estimulante. Canto pra ela. Seu corpinho tão leve, a embalo. Contra
meu corpo a aperto, um perfume adocicado, fecho os olhos. Abraço-a, beijo-a,
admiro-a.
Quando
Maria e João se conheceram, foram morar juntos. Eles preencheram alguns espaços
dentro do outro. Na sua intimidade, eles brincam de ser aquilo que lhes faltava.
Valentina Guadalajara
Norma e Clara
Olá, prezadx leitorx
Mudando de saco pra mala: esta é minha introdução no mundo da literatura, cuja obra é assinada pelo pseudônimo de Valentina Guadalajara. Muito obrigada pela leitura deste conto que se chama Norma e Clara.
Norma e
Clara
Era uma tarde ensolarada e agradável. Clara
observava atentamente a vegetação do bosque, mal podia crer que há alguns meses
aquelas árvores estiveram completamente desnudas e estéreis, e antes disso, com
as folhas amarelas, e ainda antes haviam estado grandiosas e cheias de
imponentes flores, da mesma maneira como as estava vendo agora.
Clara fixou sua visão em uma pequena árvore, uma
árvore menina, árvore criança. Encontrava-se tão exposta, no meio de muitas outras
grandes árvores. Parecia tão frágil, desprotegida, com algumas folhas um pouco
murchas. Clara conhecia a possibilidade que a pequena morresse, mas sabia que
não. Sabia que esse arbustinho ia crescer e crescer, até vê-la de cima. Clara
sentada, olhos nos olhos com a planta, agora elas tinham a mesma altura, a
mesma solidão e o mesmo desamparo. Ambas descolocadas no mundo. E se Clara
talhasse seu nome no fino tronquinho? Certamente a machucaria. Mas, “e se eu
escrevesse?”, pensou. A arvorezinha iria crescer, porém a marca estaria sempre
ali, a dez centímetros do chão. Uma dor registrada a um palmo de distância do
solo. Essa imagem a deixou melancólica: “Que coisa, as dores estão sempre ali
onde foi aberta a chaga. A gente esquece só porque cresce pra cima.”
Outros pensamentos e memórias foram visitando a
mente de Clara enquanto esperava Norma. Depois de vinte anos, esta iria voltar
à sua cidade natal, da qual havia fugido para casar-se com alguém de fora, para
tentar a carreira de atriz na capital, para ter um bebê na casa de alguma tia
distante, para escapar da polícia ou talvez para distanciar-se da sua família
por algum incidente sinistro.
No dia quatro de fevereiro de 1970, um dia antes
da fuga, Norma e Clara, fizeram um piquenique na beira da cachoeira. Norma descobriu,
escondido entre as folhagens, um pedaço de arco-íris. Tinha o tamanho de um
cartão postal. Estava um pouco seco, levemente desbotado e mofado em uma das
pontas, mas sem dúvida era um arco-íris. As meninas estranharam que nenhum
desenho se parecia de fato ao verdadeiro, porque as gravuras traziam sempre uma
linha separando as cores umas das outras, e o autêntico apresentava-se em degradê. O verdadeiro parecia muito mais
natural e singelo.
Norma insistiu que Clara escondesse o objeto em
sua casa como o mais alto símbolo da sua amizade e confiança. Norma não soube
mensurar o que havia descoberto. Milhares de pensamentos tenebrosos infiltraram-se
em sua cabeça. Imaginava com horror que sua mãe, mulher luxuriosa e vulgar, poderia
exibi-lo obscenamente, o que seria um espetáculo vexatório e provocaria a repugnância
e o definitivo rechaço na população da pequena cidade onde viviam. Também temia
que seu pai, homem extremamente severo, ao meio-dia depois da missa, expusesse a
filha junto ao pedaço de arco-íris em praça pública, difamando-a, incitando na
multidão brados de insultos violentos e todo o tipo de maltrato, consentindo e
fomentando assim, a mais ultrajante das humilhações. Vergonha coletiva ou
individual, era, portanto, perigosíssimo manter em seu poder o modesto pedacinho.
Pensando na amiga, Clara aceitou preservá-lo e mantê-lo distante da ciência pública.
No dia seguinte, Clara tomou conhecimento de que
a amiga havia desaparecido sem explicações nem despedidas. Sentiu-se triste,
traída, desolada. Então colocou aquele signo de afeto numa caixinha adornada e,
desde então, contemplava-o sempre que seu coração se inflamava de saudades. Um
arco-íris metáfora, Norma.
Agora, depois de tantos anos, Norma telefona e avisa
que em dois dias estará voltando à cidade natal. Clara, como quem vê pela
primeira vez o mar, delira com o encontro. Marcaram naquele lugar onde haviam
descoberto o arco-íris anos atrás. Conversaram sobre como havia sido a vida de
cada uma e finalmente chegaram ao tema da desaparição de Norma. Ela confessa que
fugiu por pura covardia de havê-lo descoberto, já que, com simplesmente
imaginar as consequências de estar associada a esse belo pedaço de cores, seu espírito
se enchia de espanto. Norma perguntou se Clara ainda guardava o objeto, e Clara
lhe contou-lhe toda a história.
“Depois de oito anos guardando o arco-íris,
minha irmã acabou por descobrir o segredo. Tomada pela ira, gritando e babando,
ameaçou-me de mostrar a todos o que eu guardava na minha antiga e querida
caixinha enfeitada. Frente ao dilema e a vergonha, coloquei aquele pedaço de arco-íris,
já completamente seco e esfarelento, dentro da boca e o devorei como se há
muito não comesse. Eu não tive escolha, precisava ocultar a prova, mas ao mesmo
tempo guardá-la comigo. Neste momento não havia outra opção para mim.
Depois desse dia, tossi sem cessar por seis
meses. Tossi tanto que chorei, chorei muito. Durante este tempo, parava de
tossir e chorar apenas três horas por dia para dormir. Você não sabe o que é
tossir e chorar por meses, você fugiu, você me abandonou. Depois da tosse,
vieram outros sintomas. Meus dedos, que eram tão longilíneos, delicados e
hábeis, ficaram roliços e pequenos. Minha voz, antes aguda, ficou rouca. Minhas
atitudes, antes de mulher tão ousada e atrevida, foram retraindo-se, e hoje sou
uma pessoa muito tímida. O mais grave começou a acontecer quando um dia vim
aqui, exatamente aqui, porque precisava chorar. A partir desse dia, todas as
vezes que chorava ou suava, mudava de cor. Eu já não podia mais negar nada.
Perdi o emprego e fui expulsa de casa. Eu provocava aversão, assim me disseram.
Algumas pessoas me recomendaram trabalhar no circo. Você pode imaginar o que se
sente quando alguém diz pra você ir trabalhar no circo, Norma?! Desde esse dia
em que mudei de cor pela primeira vez, fui vítima de uma avalanche de
comentários, de risos e da ojeriza de toda a gente. E você fugiu, Norma, você
me deixou aqui pra pagar esse custo sozinha!” – desabafou Clara.
Já completamente alaranjada, disse que por todos
esses anos guardou o arco-íris dentro dela, que poderia ter-se desfeito do
incômodo. No entanto ela nunca foi capaz de separar-se desse símbolo, emblema de
um sentimento tão profundo que ela nunca havia esquecido. Desta forma, honrou
sua promessa à especial amiga e bravamente sustentou esse segredo durante vinte
anos. Porém, agora, com Norma de volta, Clara já podia dividir com ela sua
inquietação.
Ao final de seu depoimento repleto de mágoa, Clara
abraçou fortemente Norma, beijou-a e vomitou uma parte do arco-íris em sua boca
sem que Norma pudesse reagir. Agora Norma, vermelhecida, finalmente irá
compartilhar e dividir aquilo que sempre foi dela também.
Valentina Guadalajara
Muito Pequeno
Olá, prezadx leitorx
Mudando de saco pra mala: esta é minha introdução no mundo da literatura, cuja obra é assinada pelo pseudônimo de Valentina Guadalajara. Muito obrigada pela leitura deste conto que se chama Muito Pequeno.
Muito Pequeno
Era uma tarde
de domingo pouco prometedora. Abriu a garrafa, e descobriu mais uma daquelas
promoções. Preferiria ter ganhado um ioiô, uma camiseta ou um daqueles cupons
para trocar por outro do mesmo produto. Lembrou-se de quando era menino, adorava
essas técnicas de aumento de vendas, principalmente as de picolé que podiam até
chegar a oferecer um patinete ou uma bola de futebol oficial. Mas desta vez,
ele não estava muito animado.
Um enorme ser
saiu de supetão do recipiente. Colossal, musculoso, flutuava no meio da cozinha.
Gilmar via com estranhamento aquela imagem cintilante como a de um sonho junto
à janela. Trazia um turbante na cabeça, colares de ouro, os braços cruzados e
grandes pulseiras grossas, de todas as cores. Gilmar não pôde entender de que
matéria era feito o gênio, já que o galho da árvore dos fundos entrava bisbilhoteiro
pela janela e transpassava a sua massa etérea, “o que eles não inventam?”-
refletiu. Pensou que talvez essas promoções começassem agora nesta época justo
porque nos preparamos para o verão, a época de morrer de sede, sendo assim, em
alguns poucos meses, já teriam toda uma horda de consumidores adestrados e afeitos
a adquirir a bebida x ou y. “Globalização, que grande engodo!” – concluiu.
- Muito prazer,
querido amo. Eu sou o gênio da garrafa e o senhor tem direito a um pedido.
- Ah, essa é
fácil: eu quero ser o homem mais rico do mundo!
- Amo, o
senhor deve ler o que diz a tampinha, eu só posso conceder um tipo de desejo.
Gilmar lê a
tampa que diz: “Parabéns, você ganhou! O gênio da garrafa vai lhe conceder um
desejo. O seu código é 462NKLm3oP098. Divirta-se e siga tomando Kutirrut para ganhar mais prêmios.”
Gilmar, um
pouco indiferente, dirigi-se ao gênio:
- Ok, meu
código é quatro, seis, dois, ene, cá, ele, eme, três, ô, pê, ô, noventa e oito.
- Código
incorreto, senhor.
- Vou repetir:
quatro, seis, dois, ene, cá, ele, eme, três, ô, pê, ô, nove, oito.
- Código
incorreto, senhor.
- impossível:
quatro, seis, dois, ene, cá, ele, eme, três, ô, pê, ô, nove, oito!!!
- Código
incorreto, senhor. Permita-me uma intromissão: o código tem maiúsculas e
minúsculas?
- Eu não posso
acreditar! Ok, mais uma vez: quatro, seis, dois, ene maiúsculo, cá maiúsculo,
ele maiúsculo, eme minúsculo, três, ô minúsculo, pê maiúsculo, ô maiúsculo,
nove, oito.
- Código
incorreto, senhor. Por favor, leia esse manual de ajuda com perguntas úteis
feito especialmente para os premiados.
O gênio retira
debaixo do turbante o manual um pouco amassado, amarelado, com as pontas
dobradas.
- Está todo molhado
isso... que nojo, é suor?
O gênio fica
um pouco envergonhado.
- Perdão, amo,
mas hoje faz 28 graus. E dentro da garrafa fazia mais porque o vidro conserva o
calor, e mesmo que a bebida esteja...
Gilmar deixa
de dar atenção e senta-se num banquinho. Pega o manual com o pano de prato e, mais
indignado que ansioso, começa a lê-lo. Encontra a sessão de erros de código
logo após a sessão de problemas com gênios que falam uma língua estrangeira sem
legenda. Descobre o erro.
- Vamos de
novo: quatro, seis, dois, ene maiúsculo, cá maiúsculo, ele maiúsculo, eme
minúsculo, ô minúsculo, pê maiúsculo, zero, nove, oito.
- Código
correto, senhor, muito obrigado. Aguarde um instante que em seguida lhe
revelarei qual o seu tipo de pedido.
- Ah, eu quero
fazer uma reclamação. Não pode ser que vocês coloquem zero e a letra ó, porque
a gente se confunde!
- Aguarde um
minutinho enquanto registro a sua reclamação e a repasso ao setor
correspondente.
Gilmar serve
um copo da bebida enquanto observa o gênio que, piscando repetidamente os olhos,
vai mudando de tonalidade, fazendo ruídos curiosos. Finalmente a cozinha toda
se ilumina e o gênio fala com tom grandiloquente:
- Meu amo, lhe
é concedido fazer uma viagem no tempo e poder alterar um fato no passado.
Um punhal
transpassa-lhe o peito. Gilmar, estupefato, abandona o gênio na cozinha e
senta-se no sofá. Meu Deus, o que ele poderia mudar?! Matar Cristovão Colombo?
Napoleão? Hitler? Desmentir a bíblia? Revelar os segredos da construção das
pirâmides? Tudo isso seria uma grande obra, certamente. No entanto, quem
acreditaria no reles Gilmar se ele revelasse algum grande mistério? E ainda,
teria ele coragem de matar alguém? E se matasse, não surgiria outro que
cometesse o mesmo desastre? Cabeça baixa, punho sustentando o queixo, boca
contraída, olhos apertados atravessando o chão da sala.
Passam-se
alguns minutos e lhe vem à mente sua situação atual. Está sofrendo há alguns
meses pelo término de uma relação. Ele se sente só. Lembra-se da cena final,
uma choradeira em frente à porta da casa dela, fazia frio. Queria abraçá-la, cercava
seu corpo, mas não podia senti-lo pela quantidade de casacos que vestia, queria
experimentar mais uma vez o cheiro, mas tinha o nariz constipado. “Claudia”,
repetiu triste depois de um suspiro.
Poderia voltar
à semana anterior ao término, quando estavam abraçados na cama. Porém, antes
daquela noite haviam tido uma briga, dessas que se discute e nunca encontra um
final. O motivo da discórdia: maldita Manoela.
Ele conhecera
Manoela numa tarde. Encantara-se quando ela lhe pediu fogo e começou a discorrer
de maneira poética sobre o vício e a condição humana. Depois dessa, muitas
tardes de domingo. E sem motivo aparente, Manoela foi desaparecendo. Ele, inconformado,
a seguia insistentemente nas redes sociais. Noites e noites no Facebook
curtindo, compartilhando e comentando todos os posts dela, e assim sua tristeza foi ficando aparente: dedos
inchados, as unhas roídas, os cigarros amontoados no cinzeiro, miopia
aumentando. Claudia descobriu, mas insistiu. Manoela se foi definitivamente.
E se talvez
ele nem sequer tivesse começado a relação com a namorada e estivesse livre no
momento em que Manoela aparecesse? Uma possibilidade.
Fazia quase um
ano, Gilmar havia ido veranear com um casal de amigos. Havia feito aquela
viagem sem nenhuma pretensão, já inclusive arrependido, pois saía de férias com
um casal que fala com voz de bebê. O que ele não esperava era que sua amiga
encontraria uma velha colega da escola: Cláudia. Esta passou a sair com os três
amigos todos os dias e Gilmar e ela se apaixonaram.
Como seriam essas
férias sem Cláudia?
De repente,
tudo tomou forma e os olhos arregalaram-se. Gilmar levanta-se do sofá muito
decidido, marcha até a cozinha, encara o gênio e profere:
- Quero voltar
ao dia de ontem, exatamente às 18h35, na rua Canin 656.
- Seu pedido é
uma ordem.
Um vento muito
forte começa a soprar, tão forte que Gilmar tem de fechar os olhos. Seu corpo
começa a flutuar, perde o equilíbrio e cai. Quando abre os olhos, alguns
transeuntes o estão levantando da calçada, olha para a direita e vê “656”. Recompõe-se,
agradece às pessoas, e caminha em direção ao supermercado. Ao passar pela
porta, cruza-se com um espelho e se vê com a roupa que vestia no dia anterior. Alguns
metros depois, intercepta uma distraída senhora que procura em uma lata a data
de validade:
- Com licença,
a senhora tem horas?
- São seis e
trinta e sete.
Gilmar, certo
de que seu pedido fora realizado, encaminha-se ao corredor de bebidas. Olha de
soslaio a garrafa de Kutirrut, e, orgulhoso,
leva uma de água mineral.
Valentina Guadalajara
Dona
Olá, prezadx leitorx
Mudando de saco pra mala: esta é minha introdução no mundo da literatura, cuja obra é assinada pelo pseudônimo de Valentina Guadalajara. Muito obrigada pela leitura deste conto que se chama Dona.
Dona
“toc toc”, escutou.
Ao fundo ouvia alguém chamar, bem
longe. Depois vinham essas batidas, toc toc, toc toc toc, parecia que batiam na
madeira.
Sentiu-se úmida, pegajosa, quente,
protegida. Tentou espreguiçar-se, sentiu-se impedida de esticar completamente
os braços pelas paredes do casco de caracol.
Sempre se soubera uma pessoa
introspectiva. Sempre previra que este dia chegaria. Abriu os olhos lentamente,
tentando enxergar a luz pelo material espesso. Olhou pra cima,
pra baixo. Estava na direção de sua cabeça.
Foi-se resvalando, girando lentamente acariciada pela substância viscosa.
Fora fazia frio. Mal a cabeça
apontou, sentiu o vento nas antenas: desconforto.
Pediu para que lhe trouxessem a
comida e meteu-se na casca. Quando colocaram o pão com manteiga e o café com leite na entrada, devorou-os. Engordou. Não sentiu
mais fome. Ficou ali, nadando, dentro de si mesma. Mergulhou, achou brinquedos,
bolinhas de natal quebradas, batons, sutiãs. Vestiu-se, se
despiu, preferia assim.
Depois deixou de escutar os barulhos
de fora. Quando gritavam, eram sons alheios, desconexos, estranhos.
Será esse meu velho nome? – pensou.
O mundo já não mais existia. Em casa, era onde ela queria estar. A casa, agora,
era dela. Era ela.
Valentina Guadalajara
Branco
Olá, prezadx leitorx
Mudando de saco pra mala: esta é minha introdução no mundo da literatura, cuja obra é assinada pelo pseudônimo de Valentina Guadalajara. Muito obrigada pela leitura deste conto que se chama Branco.
BRANCO
Jorge
era aquele homem que saía detrás do balcão da padaria às oito da noite, todos
os dias, menos aos domingos, que é o dia do Senhor. Sempre ia à missa e nunca
esquecia o dízimo. Sabia de cor alguns trechos do santo livro que eram lidos
pelo padre, e os repetia, mesmo perante a dúvida do mistério daquelas palavras.
Jorge tinha uma relação de submissão e adoração com as causas. Apesar disso, nunca
se questionava de onde vinham e nem no que resultavam as coisas do mundo. Para
ele, o antes e o depois eram conceitos abstratos, nem sequer deixavam vestígios
de sua influência. Jorge não podia entender, ele simplesmente não podia.
Como
todos os dias, saiu do trabalho, chegou até a parada de ônibus e encontrou seu
amigo de sempre, Ramiro. Discutiram sobre futebol: Jorge do Grêmio, Ramiro do
Inter. Em poucas palavras, este convenceu o amigo de que o Inter era melhor. Então
porque Jorge não mudava de time? Ele era dessas pessoas que não conseguem alterar
o que já está sedimentado, entranhado. Suas cabeças estão cheias de labirintos
e, uma vez que uma ideia está instalada, se mimetiza e se
esconde. Em tais circunstâncias, não se pode mais encontrá-la, apenas é
possível ouvir o seu eco vindo das profundezas da mente. Ela se faz presente,
mas não se expõe. Jorge às vezes tentava encontrar algum desses conceitos dissimulados
e derramar luz sobre eles, no entanto, tal qual arqueólogo inapto e fracassado,
desistia. Então, olhava para o interlocutor e abria um sorriso vazio.
De
vez em quando, cogitava uma solução para suas perturbações. Achava que se
tivesse uma família, esposa e filhos, seria um homem que leva adentro tudo
quanto se pode conter. Em uma posição singular, encarregado da manutenção de um
lar - situação em que a responsabilidade o encontraria sem mais -, teria um
motivo para ser mais perseverante. Entretanto, com meramente pensar nesse
rascunho de intenção, sentia medo e nojo.
Ramiro
afirmou que o amigo estava mais branco hoje, e Jorge teve uma visão dele mesmo nu,
subindo aos céus, com uma auréola radiante pairando sobre sua cabeça. Olhou
para suas mãos enquanto contava as moedas da passagem e viu suas unhas sujas de
farinha. Perdeu a ilusão. Contudo uma imagem permaneceu, a de dois anjos
carreando-o. Essa representação converteu-se em um carrossel que girava como
pião.
Tomou
o ônibus e não mais ouvia os comentários de Ramiro, não mais sentia o incômodo,
que tantas vezes o destroçara, de perceber-se em contato físico com outrem. Estava
completamente submerso no seu universo onírico e cândido. Durante a viagem, diferentes
cenas com a mesma temática se sobrepunham às outras, cada vez mais rápido, e
mais rápido, e mais rápido.
Com
sofreguidão desceu do ônibus, e, agoniado, saiu correndo. Suando, abriu a porta
de casa, a do roupeiro e a tampa da pequena caixa. Tomou a foto em suas mãos,
beijou-a desesperadamente, lambeu-a repetidas vezes. E com uma voz que vinha de
algum canto recôndito daquele caos ensurdecedor, exclamou por não suportar:
-
Ah, como é lindo este anjinho!
E
a mão alcançou o zíper das calças.
Valentina Guadalajara
17.520 horas
Olá, prezadx leitorx
Mudando de saco pra mala: esta é minha introdução no mundo da literatura, cuja obra é assinada pelo pseudônimo de Valentina Guadalajara. Muito obrigada pela leitura deste conto em espanhol que se chama 17.520 horas.
17.520 horas
Hay horas en que el pensamiento, tal cual un
ilusionista, se disfraza de hoja que baila con el viento. Aletea entre
diferentes percepciones de la realidad inmediata - impresiones, ruidos, olores;
sin embargo, permanece ahí, ensimismado, con el mismo ingenio escondido en el
fondo del sombrero de copa. A veces parece que ciertos razonamientos se visten
de ellos mismos para que parezcan ajenos.
“Esta mano parece más envejecida que la otra”…
“¡cuántas nubes!”… “se va a romper el ala, cómo tiembla”… “che, piloto,
¡¿llegamos esta semana?!”. Faltaban cincuenta minutos para aterrizar. Más el
tiempo de bajar del avión, pasar por inmigración, agarrar las valijas. Será tal
vez una hora y media, pero en realidad son ciento setenta y cinco mil
doscientas horas, y una hora y media más.
El verano me hacía sentir libre, vivo. Hasta ese
momento, en esa época ninguna sensación era comparable a la de estar en la
playa, agua y cielo azul. Pero ella, ella, desde el primer instante fue para mí
mucho más que ése y cualquier otro verano abrasador. Estaba ahí, “¿una
brasileña rubia de ojos verdes?”. Tenía una risa como la Bossa Nova, tranquila
y festiva. Una sonrisa de dientes exhibicionistas. Medio flaquita, pero
apretable… y la piel blanca, papel al que yo como su pintor, quisiera dibujar.
Su voz era como una ola, y estar ante ella era estar atrapado en este
torbellino y quedarse desorientado, ofuscado, sumiso. Su presencia era tan
enorme y avasalladora que no cabía en ningún estereotipo, era como si fuera
necesario cerrar los ojos para verla.
-
¿Tenés
fuego?
-
Não tenho,
eu não fumo. ¿Argentino?
-
Sí,
argentino… y no, yo tampoco fumo.
-
Então porque
você pergunta?
-
Para
escuchar você, sentir más de perto tu voz, canción de terremoto.
Me la gané. Estuvimos juntos nada más que siete días y
se iba a San Pablo. La llevé a la estación donde se tomaba el micro.
-
Se você quiser, pode me visitar… – invitándome y a la vez incendiándome en portugués.
No era
preciso que habláramos la misma lengua, teníamos nuestro portuñol particular,
idioma de deseo e inquietud. Y reíamos mucho. De mi parte, un acento argentino
lleno de desasosiego. De la suya, una melodía disonante que a mí me encantaba: não, coração…
pero mucho más coraçãozinho. Y cuando
no nos entendíamos, podíamos estar horas intentando descubrir lo que el otro
había dicho. Ése era nuestro deporte-sabrosura.
La besé y le dije:
-
Nos vemos en
San Pablo.
Ella se rió,
mitad esfinge, mitad cenicienta.
Tres días
después la volví a encontrar. Casi sin plata, una semana en Brasil. Con veintidós
años no se necesita mucho, la pasión no demanda dinero: tardes en parques,
conversaciones en los bancos de las plazas, y lo más valioso era el sol
poniéndose al final del día.
Después
cartas, muchas cartas. Ella escribía una por semana, yo cada quince días. Un
día, sin una explicación concreta, el
amanecer me asaltó con un desconsuelo terrible y desmedido, con dos preguntas
aterradoras y una conclusión brutal: ¿Cuándo volveré a encontrarla? ¡¿Cuándo
tendré plata para viajar de nuevo a Brasil?! Esta mujer me va a dejar. Ya no
puedo soportar la angustia de vivir esperando que cada carta venga con un
mensaje de despedida.
Nuestra
distancia era demasiada, ella era mucho para mí, el miedo y la debilidad me
vencieron. Yo no podía sostener esa relación. Lo único que encontré fue un
amparo infantil y cobarde. Dejé de escribir, desaparecí.
Una carta de
ella preocupada por mi ausencia y preguntando si me había pasado algo o si el
silencio significaba el fin de nuestra relación. Otra carta, mucho más triste,
un poco enojada. Y otra más de puro dolor y corazón roto.
Esta mujer,
esta mujer. Soñaba con ella todas las noches. No podía creer que hubiera tenido
tanta suerte y al mismo tiempo todo lo contrario.
Dos años después me recibí. Cuatro años después, me
casé. La amé, desde los dedos de los pies hasta la punta de los pelos. Tuvimos
dos hijos, una casa, un perro, un autito viejo, muchas cenas en familia y un
jardín. Se terminaron las cuotas del auto, después las de la casa. El perro se
enfermó y murió sin que los chicos pudieran prepararse para su partida. El
jardín se fue secando poco a poco. Y lo último fue la familia aterrada en un
vacío de sentido. Yo cada vez más solo,
ella también. Era inevitable la separación.
Seguí con mi
vida, conociendo gente nueva, pero nadie se infiltraba profundamente en mí.
Pensé que era adolescente de vuelta, hasta me hice un Facebook. Pero claramente
no era un joven, a las tres y media de la mañana me quería ir de las fiestas,
y, en el día posterior, tenía resaca como nunca había tenido en mi vida. En mi
casa, una noche, de repente, mi inconsciente dominó mis movimientos y los dedos
escribieron: Silvia Oliveira dos Santos. Ahí estaba ella, se hizo un clic y la
agregué. No podía creerlo, “¡¿Por qué hice esto?!” “¡¿Qué me pasó?!” “¡¿Me
volví loco?!”.
La mañana
siguiente, salí de la cama prácticamente sin dormir. Entré al Facebook: nada.
Hoy sí, podía ser un adolescente, podía bailar toda la noche, podía estar
ansioso y perderme en mis anhelos en
cualquier conversación que durara más de dos minutos. Hoy yo tenía el relámpago
de la juventud en mis ojos.
Volví a casa
y, apenas entré, prendí la computadora. Sí, ella me había agregado y estaba
conectada. Primero: hola, ¿cómo estás?, ¿cómo anda tu vida? Después de algunos
días: ¿con quién vivís?, ¿tenés hijos? Y de ahí en adelante: lo que habíamos
tenido juntos, cómo y por qué todo había terminado. Que yo la quería, y ella me quería. Que yo
nunca la había olvidado. Y ella tampoco. Que cuando conté en mi trabajo que me
iba a Brasil por una novia del pasado, me decían “ah, ¿Silvia?” y me di cuenta
que no había dejado de pensar en ella, ni hablar de ella durante estos años.
Que ella me buscó mucho por internet y nunca me encontró. Que yo pensé que ella
estaría casada, que ella pensó que yo estaba muerto. Ni muerto yo, ni nunca
casada ella. Ni yo había aprendido portugués, ni ella estudiado español. En
nuestras vidas nadie y el corazón despejado.
Fueron
cuatro semanas y ya nos habíamos enterado del pasado del otro. Después de
conversaciones interminables por internet, noches de poco sueño y de muchas
ilusiones, ella me dijo:
-
Se você quiser, pode me visitar… - nuevamente prendiéndome la chispa.
“Qué este avión no se caiga”, “qué no se atrase”. “No
tengo hambre”. “El baño está ocupado”.
Más de ciento setenta y cinco mil horas y estoy
llegando. La veo, veinte años después, pero era como si fuera un déjà vu del día en que la vi esperándome
en la terminal de San Pablo. La miraba y sentía lo mismo. A cada paso, iba
saboreando el reencuentro. Reconocí sus dientes artistas, la piel-nieve un día
delineada por mí, su voz de mar salvaje, e íntimamente iba festejando la visión
de su actual cuerpo, mucho menos flaquita y mucho más apretable. Pero también
sentí un corazón, mi corazón y su corazón: un corazón.
Si hubiera muerto en aquel momento, habría llevado la
imagen más precisa de la felicidad jamás vista. Si me hubiera muerto en aquel
momento, no sería ahora este hombre contemplativo, adorador de su alma y su cuerpo desde hace diecisiete mil
quinientas veinte horas.
Valentina Guadalajara