Ingrid escreve para a coluna Desacomodação |
Quando
criança, tímida.
Quando
adolescente, na roda de amigas era chamada de “Do Contra”. Muito antes do
Maurício de Souza inventar aquele personagem na Turma da Mônica. Todo mundo
queria ir para um lado, eu para o outro. Todo mundo queria usar a mesma coisa,
eu outra.
Pessoas
“Do Contra” geralmente são chamadas de chatas. Porque questionam. Perguntam,
procuram sentido.
A
“Do Contra”, em vez de ir buscar uma faculdade que pudesse promover a ordem e
o progresso, foi fazer Ciências Sociais.
Passei
a vida inteira sendo chamada de chata e isso não me abate. Porque com muita
ternura, minha chatice me fez ir atrás de um mundo de coisas que não sabia
explicar. Fez-me tentar conhecer o desconhecido, provocou o meu “ser mais”,
como diria Paulo Freire quando pensa que as pessoas buscam mais sobre a vida
que se apresenta de modo muitas vezes cruel.
Dos
20 aos 29 busquei incomodar o “status quo” onde pude. Movimentos sociais,
grupos de jovens, partido político, espaços de trabalho, militância, muito
estudo, muita dedicação e exatamente aos 29 consegui com muita determinação
passar numa seleção de doutorado. Hoje faço doutorado em Educação na UFRGS, e
isso me recicla para o mundo. Porque preferi transgredir, resistir e subverter a me calar diante de tanta pergunta que tenho a fazer ao mundo antes de
morrer... e sou daquelas que acham um desperdício a morte. Porque a pessoa
passa uma vida inteira querendo saber e transformar um monte de coisa no mundo
e depois simplesmente morre! Que coisa bem inútil essa tal de morte. E por
causa dela acho que não se deve perder de achar graça do Chaves. Há coisas tão
pequenas na vida que não custam dinheiro e podem trazer felicidade. Os
episódios do Festival da Boa Vizinhança marcaram a minha vida para sempre.
Porque
“Volta
o cão arrependido,
Com
suas orelhas tão fartas
O
seu osso roído
E
o rabo entre as patas.”
Nunca
conhecerei nada mais poético. E profundo. Do meu anti-herói.
Eu
hoje tenho 30 anos. E sair dos vinte e poucos me fez ainda mais feminista.
Porque levei quase 3 décadas para tirar de dentro de mim a Cinderela, a Branca
de Neve e a Aurora. As malditas princesas que modulam gerações de famílias e de
mulheres. Frágeis, tontas, indefesas, mórbidas, delicadas, de pés pequenos...
Nossa! Passei a infância inteira com complexo porque meu pé era maior do que o
das minhas colegas. Jamais me entraria um sapatinho de cristal. Só se fosse na
seção dos meninos. E lá não vendem sapatos de cristal. Lá tem coisa de macho.
Meus vestidos jamais seriam bordados por passarinhos e eu não gostaria de
passar um tempão como uma defunta esperando um príncipe que viesse de cavalo
branco me dar um beijo. Até porque precisaria de um Halls, depois de passar
tanto tempo dormindo igual Aurora, para dar um beijo nem que fosse no sapo, né.
Hoje
estudando e sendo professora de adolescentes, às vezes me sinto nerd, às vezes
me sinto adolescente. Eu sou simplesmente apaixonada por todos aqueles
adolescentes, e eles ressignificam minha vida diariamente. Insisto todos dos
dias sobre o amor. Sobre a capacidade de colocar-se no lugar do outro. Porque
afinal de contas, mais importante que resistir quando alguém estigmatiza uma
mulher feminista tachando de chata, é argumentar sobre o amor. E sobre todas as
suas formas. E sobre a sua presença em qualquer tipo de relação, de lugar, de
tempo ou de espaço.
O
mundo é uma coisa fantástica em eterna transformação, tudo muda, tudo flui, e a
criança tímida, hoje mata uns de vergonha...